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CRÍTICA DIÁRIO CATARINENSE


Peça APTO 401 mostra as fantasias de uma mulher para se defender da própria solidão

EQUILÍBRIO E PRESENÇA

O primeiro monólogo do grupo Porto Cênico, dirigido pelo jovem diretor Osmar Domingos, tem sua força centrada em dois aspectos essenciais do fazer teatral: a presença da atriz Valéria de Oliveira e a busca pelo equilíbrio entre ação e suspensão.

Valeria de Oliveira é atriz experiente, de carreira sólida no meio teatral catarinense e isso não está somente em seu histórico, mas na presença cênica. Dona de nuances e domínio técnico, Valéria percebe cada movimento, cada respiração da plateia e incorpora ao seu discurso. Consegue aliar sensibilidade com destreza poética, com sua técnica sempre a serviço de algo maior, sempre a serviço da dramaturgia do espetáculo.

Ela conduz a personagem, que vive sozinha em seu apartamento e que, como muitos neste mundo violentamente moderno, está envolta em suas próprias fantasias para se defender da amargura, para se defender da verdade dura da solidão. Assim, ela inventa subterfúgios, como por exemplo uma festa de aniversário cheia de convidados imaginários, onde ela os recebe com sorriso no rosto e simpatia.

E tudo isso vai soando cada vez mais dolorido e amargo para o espectador. A narrativa é simples e, inclusive, partindo de uma situação até muito comum na dramaturgia teatral.

Situações de solidão são o foco central de muitas peças e filmes contemporâneos. A partir disso, o diretor aponta dois caminhos que, ao meu ver, centralizam a potencia da obra: uma busca entre o elemento quase cinematográfico (cheio de detalhes) das ações e os momentos de pura potência teatral, de suspensão do tempo, onde afloram os afetos.

Explico melhor: esses dois elementos, são usados em diversos momentos da peça, e servem para mostrar que, numa obra teatral, muitas vezes construímos algo para chegar num outro lugar, isto é, muitas vezes construímos toda uma cena para atingir um ápice e que, se não estivesse presente ali toda a construção, aquele momento de ápice não teria a força devida.

A sucessão de pequenas ações, por exemplo, no momento da festa imaginária é 'concluída' no choro solitário (uma das cenas mais bonitas do espetáculo, justamente pelo caráter de suspensão e olhar da atriz em lágrimas para os espectadores) revelando o quanto de dor havia em cada momento da festa, mas que só foi revelada numa explosão concentrada (e muito bem desenhada, com uma delicadeza profunda na ação de mostrar o rosto em pranto através do lenço).

Numa conversa informal com o diretor, percebi que essas eram suas buscas: um equilíbrio entre estas ações cinematográficas, quase não-teatrais, e os momentos de suspensão, aquele momento de intenso drama interno, revelado em ações com tempos dilatados e uma aposta na presença cênica da atriz.

Há outros elementos escolhidos pela direção para pontuar o espetáculo: o público que reage com textos e ações pré-combinados; a separação da plateia em três partes, de acordo com a dramaturgia do espetáculo; a disposição do espaço, onde o público e atriz estão, na própria área do palco; todos estes elementos são escolhas estéticas que permitem leituras diversas, mas o ponto central da obra, que quase não possui falas, sendo totalmente apoiada no jogo das ações, é uma busca refinada da percepção do espectador entre os dois elementos que citei acima.

O drama e a ação cotidiana, o olhar em lágrimas e a bebida sorvida com raiva. Acredito que estes elementos serão cada vez mais fortalecidos dentro do espetáculo, e que a potência, por conta dessa combinação, irá aumentar - afinal uma obra teatral é um organismo vivo, que cresce de acordo com o compromisso dos seus artistas. E tanto diretor quanto a atriz são artistas que já demonstraram suas preocupações em alçar voos maiores, resgatando o compromisso que tanto insisto quando trabalho: investigar o mistério existente em cada um de nós através de um fazer teatral que busque coisas novas, mas que dialogue com a força ancestral do encontro que só o teatro é capaz.

* Jefferson Bitencourt é diretor da Persona Cia de Teatro, músico e diretor de cinema

Agende-se O quê: espetáculo APTO 401, do Porto Cênico Cia de Teatro Quando: sexta (10), às 21h30min Onde: Teatro Municipal de Itajaí (Rua Gregório Chaves, 110, Fazenda, Itajaí) Quanto: gratuito. Ingressos devem ser retirados uma hora antes. Informações: (47) 3349-6447



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